"Pai
Não
tenho muito a dizer-te porque te sacudi todas as palavras que te quis dizer
quando ainda te sentavas no cadeirão em frente a televisão, quando ainda comias
connosco à cabeceira da mesa e suplicavas à mãe que fizesse migas para ao
almoço do dia seguinte. Passou um ano desde que fugiste de mim, de nós … Tenho
vergonha de te dizer que só hoje me apercebi realmente das saudades que me
matam, do quanto eu sinto a tua falta. Até a data, estava em tal estado de
dormência que firam poucas as lágrimas que derramei por ti, esta noite tive
oportunidade de pagar por isso e deitei cá para fora todas as piedosas, gordas
e efémeras lágrimas que correm para ti.
Hoje
apercebi-me que eras a minha consciência e no fundo não permitias que ela
pesasse demasiado, para que eu possa sempre com ela nos meus braços. Espero que
continues a ser.
Hoje
chorei verdadeiramente por ti e por incrível que pareça, as lagrimas ainda não
cessaram, teimosas orgulham-se em molhar-me o rosto.
Estou
a escrever-te para te dizer tudo o que não consegui (o que é pouco), mas acima
de tudo para te pedir perdão, por não ter estado contigo quando decidiste, ou
Deus decidiu por ti, que deverias partir (espero que para um sitio melhor).
Crucifiquei-me
todos os dias desde que morreste por não ter estado contigo o tempo suficiente,
por não ter tido tantas conversas contigo como gostaria, por ter estado fora
cinco anos a explorar uma esquina, afinal de contas foram cinco anos sem te ter
a meu lado, o que equivalem a o quê? Dez mil anos? Cem mil? Mais tempo do que
qualquer humilde homem possa imaginar. Perdoa-me também por não te ter ouvido
quando me chamavas atenção, quando por exemplo, perdi um dedo. Mas por outro
lado, não me perdoes porque penso que são esses pequenos e quase invisíveis
pormenores que fazem de mim o homem que sou hoje, o homem que tão
orgulhosamente criaste. Perdoa-me pelas mais mil e uma coisas, das quais eu
neste momento não me recordo, mas decerto tu ficaste sentido comigo em variadas
alturas da tua vida incrivelmente vivida.
Penso
e espero que me perdoes, só dessa forma conseguirei enfrentar o que está para
vir.
Quando
soube do teu falecimento, senti-me de novo perdido. Profissionalmente, consegui
finalmente ganhar sustento por fazer algo que me acalenta a alma. Algo de que
facilmente te envaidecerias de mim. E o resto, por agora não importa. Mas
perdi-me, o que faria eu sem ti? Vadiei por todos estes anos e passei a pente
fino todos os minutos em que partilhei o mesmo ar que tu respiravas e depois de
tal tarefa, questionei-me de novo: Como vou eu viver sem ti?
Foi
então que a mãe mostrou-me um trilho que eu vou explorar: Viver como tu gostarias que eu vivesse.
Decerto
voltarei a escrever-te, mas não tão cedo. Por agora empenhar-me-ei em tal rigorosa tarefa: Viver!
Nunca
me esquecerei de ti. Fizeste-me o homem que sou hoje e o que eu mais gostaria
era que tu te orgulhasses de mim, como eu me orgulho de ti e nada me deixa mais
feliz por acreditar que realmente te orgulhavas de mim, do homem em que me
tornei.
Amo-te
pai, meu pai.
Janeiro
de 2012"
GABRIEL BRIGAS, de "A Ruiva do Andar da Esquina"
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